Ex-titular da comarca de Monte Santo, Vítor Bizerra diz que decisão
seguiu indicação do Ministério Público e relatórios encaminhados pelo
Conselho Tutelar da região, o que foi rebatido pelo Centro de Defesa dos
Direitos das Crianças e Adolescentes Yves de Roussan (Cedeca).
Quando o senhor tomou conhecimento do caso e quais as condições em que as crianças se encontravam?
Tomei conhecimento da situação em meados do mês de março de 2011. O
Conselho Tutelar me procurou relatando que existiam cinco crianças que
estavam abandonadas pelos pais e que já os teria advertido por diversas
vezes sem sucesso. O Conselho relatou ainda que a mãe deixava as
crianças sozinhas para sair, consumir drogas e se embriagar. E que o pai
só aparecia na casa de vez em quando e seria alcoólatra. Pelas
informações dos Conselheiros Tutelares, a criança mais nova, então com
aproximadamente dois meses de vida, estava em situação grave de saúde,
precisando de internamento hospitalar e sem conseguir por não ter
certidão de nascimento.
Estas condições eram suficientes para encaminhamento imediato para adoção ou guarda provisória?
Não houve nenhuma medida imediata em relação às crianças. Cientificado,
o MP instaurou procedimento apuratório, colheu elementos, provas e
depoimentos. Tentou ouvir os pais sem sucesso. Não atenderam aos
chamados. Depois de reunir as provas, inclusive vários relatórios de
sociais, o MP entendeu que a única saída que salvaguardaria os
interesses das crianças seria retirá-las da guarda dos pais.
Infelizmente, por fatores que independem do Poder Judiciário, na região
não dispomos de qualquer abrigo ou instituto congênere para acomodar as
crianças como determina o ECA. Vivenciamos eu e a Promotora de Justiça
momentos difíceis ante a medida que se impunha como necessária e a
impossibilidade de cumpri-la. Deixar de deferir a medida por falta de
abrigo seria abandonar as crianças à própria sorte e, no caso da menor,
talvez à própria morte. Não encontramos quem se dispusesse a recebê-los.
Determinei então ao cartório que buscasse em nosso cadastro de
postulantes a adoção se haveria algum deles interessados em receber
temporariamente as crianças em situação de risco.
Os pais tinham desvios de comportamento? Eles foram encaminhados para algum programa social da região?
Os relatos do Conselho Tutelar e os depoimentos colhidos no Ministério
Público apontam a mãe como usuária de drogas e álcool. Além disso,
restou constatado que habitualmente deixava as crianças sozinhas em
casa. Em depoimento restou consignado ainda que a mãe se prostituía e
tinha vários parceiros. Contudo, o mais preocupante não era a conduta
social da mãe, mas o descaso com as crianças. Eram tratadas apenas como
fonte de rendimento devido aos benefícios recebidos do Governo Federal
em nome delas. Na prova colhida sobre o caso verificou-se que a pessoa
apontada como pai tem várias passagens pela polícia - inclusive por
delitos sexuais -, não tem emprego fixo, tem um comportamento agressivo e
não dava atenção às crianças. Não temos programas sociais ou equipe
multidisciplinar à disposição do Poder Judiciário na região. Ademais,
não se logrou êxito em contatar os pais.
Qual foi o posicionamento do Ministério Público (MP-BA) no caso?
O Ministério Público se fez digno de suas funções constitucionais.
Mostrou-se sempre preocupado com o melhor para as crianças e foi o
verdadeiro facilitador da aplicação do princípio da proteção integral.
Em todos os casos, todos os Promotores de Justiça que atuaram no caso
concordaram, até então, com as medidas tomadas.
A lei (ECA) estabelece que o poder de família só deve ser
destituído após esgotados todos os recursos de manutenção da família
natural ou extensa. Por que as crianças não ficaram com os avós?
O ECA tem várias disposições que devem ser respeitadas e o são. No
caso, havia uma urgência e do ponto de vista de adequação comportamental
dos pais em relação às crianças não havia mais o que ser feito para se
suprir a negligência dispensada às crianças. Da forma como tudo ocorreu,
a disposição legal foi respeitada. Alguém pode até entender que seria
possível tentar buscar outros meios para dar uma maior extensão à
aplicação desta regra. Ocorre que exaurimos os que tínhamos disponíveis
em Monte Santo e região e que, naquele momento, dar um elastério maior à
regra seria introduzir um risco ainda maior e irreversível às crianças.
Os avós não se mostraram interessados em ficar com as crianças.
Os pais das crianças foram ouvidos? Em que momento e o que alegaram?
A mãe da criança, apesar de chamada várias vezes desde o ano de 2010,
só apareceu em agosto de 2011 e perante o Ministério Público. Já estava
grávida novamente e foi instruída pela promotora de justiça a constituir
advogado ou, caso não tivesse recursos, procurasse o fórum que o juiz
designaria um defensor de forma gratuita. Nesta oportunidade a mãe se
pronunciou dizendo ter interesse em recuperar as crianças. A promotora
informou-a que seria possível, pois as crianças teriam sido tiradas dela
por uma medida que poderia ser revertida.
Qual foi o critério escolhido pelo senhor para a escolha de famílias paulistas e não baianas?
Não foram escolhidas "novas" famílias para as crianças. Foram chamadas
famílias que tinham sentença de habilitação. Tal critério foi
estabelecido, pois quem já tem essa sentença já passou pelo crivo
judicial para receber uma criança, então, presume-se também capacitada
para receber em guarda. Foi uma medida de urgência e decorrente da falta
de estrutura adequada prevista no ECA, e que deve estar à disposição do
Poder Judiciário. Assim, não houve "escolha" de famílias, mas
informou-se, dentre os habilitados por sentença que existiam crianças
que precisavam com urgência de abrigo. Não apareceram famílias locais. O
trabalho de localização de interessados com base nas sentenças
depositadas em cartório foi procedido pelo cartório.
A lei não prevê que irmãos não podem ser separados em casos como este?
A lei prevê a possibilidade do desmembramento em casos excepcionais e
justificados. Quando da audiência os casais apresentaram-se como
moradores do mesmo condomínio residencial. Assim a guarda foi deferida
pela excepcionalidade e por permitir a permanência do contato entre os
irmãos.
Os pais adotivos passaram por cursos na Vara da Infância e da Juventude como recomenda a lei?
Não existem "pais" adotivos no caso. Existem casais que receberam a
guarda provisória. Se os casais estavam habilitados para adotar, devem
ter cumprido todos os requisitos necessários.
Não achamos indicativo de crianças disponíveis para adoção, em
Monte Santo, no Cadastro Nacional de Adoção. Estas crianças estiveram
incluídas neste cadastro?
Não. Pois não foram "adotadas".
Qual foi o critério para a seleção dos pais escolhidos?
Os que se mostraram interessados em receber as crianças de forma provisória e que tinham qualificação para tanto.
As famílias paulistas estavam no Cadastro Nacional de Adoção?
Como habilitados, deveriam estar.
Carmem Topschall aparece em nota enviada pelo senhor como uma candidata a mãe adotiva. Por que ela desistiu da adoção?
Não sei. A petição de desistência foi apenas dizendo que desistia do
pedido, sem qualquer justificativa. Lembro que o pedido feito e
desistido foi feito em nome dela e do marido.
Ela é suspeita de intermediar as adoções com as famílias de São Paulo. O
senhor tem conhecimento de algum contato dela com as famílias que
estão com as crianças?
Não ligava o nome a qualquer pessoa, mas depois de ver as imagens da
reportagem que a entrevistou, posso dizer que ela estava presente no
Fórum quando da audiência. Não me pareceu alguém que intermediasse algum
negócio.
Fonte: Atarde.uol.com.br